Deficiência visual, baixa visão ou cegueira. O que é certo dizer por aí?

02/03/2020 10 Por Maria Amélia M. Franco
Deficiência visual, baixa visão ou cegueira. O que é certo dizer por aí?

Existe certa confusão quanto aos entendimentos do que se caracteriza ou não baixa visão, o que está valendo e o que está proposto na CID-11, que passará a valer em 2022. Por isso, acredito que esta postagem vai ajudar principalmente os profissionais que atuam ou querem atuar na área da saúde visual.

O CID é a Classificação Estatística Internacional das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. Hoje está vigente o CID-10 e a CID-11 está em fase de implementação para substituir a versão anterior em 2022.

Há quem diga que baixa visão é apenas decorrente de casos patológicos, que não inclui nesse rol a deficiência visual decorrentes de erros refrativos. No entanto, o “grau” não corrigido com uso de óculos ou lentes é atualmente a primeira causa mundial de deficiência visual e a segunda, de cegueira. Nesse quadro, inclui-se a ambliopia, que é a perda visual sem causas orgânicas. Acontece que a distorção óptica, comum a quem tem hipermetropia, miopia e astigmatismo, prejudica o desenvolvimento visual.

A ambliopia é uma redução da resolução visual em um dos olhos ou em ambos (menos comum), sem causa orgânica aparente. Ou seja, a pessoa amblíope não tem acuidade visual normal – 20/20 ou 100%, como dizem -, e o uso de lentes, óculos ou cirurgia não melhoram a visão. Os erros refrativos são uma das possíveis causas, dentre outras como disfunções binoculares, catarata, carência nutricional etc.

Parâmetros para a definição da deficiência visual

É preciso entender que o parâmetro legal é a classificação da perda visual, ainda que para fins da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) a perda funcional seja considerada (veja quadro abaixo). Ou seja, o parâmetro não é a origem da deficiência visual ou cegueira.
Na legislação, importa saber:

  • qual a acuidade visual, que indica a que distância a pessoa é capaz de identificar um objeto
  • qual o campo visual, que indica a amplitude de área que a visão da pessoa alcança

Então, o que se enquadra em baixa visão ou cegueira?

A deficiência visual aos olhos da Lei

É isso que vai definir o direito aos benefícios previstos

  • na Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência – LEI 7.853/1989; DECRETO 3.298/1999
  • na Lei de Acessibilidade – LEI 10.098/2000; DECRETO 5.296/2004
  • no DECRETO 7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado
  • na Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência) – LEI 13.146/2015 
  • na Lei 8.213/91 (Lei de Cotas), que regulamenta cotas para pessoas com deficiência e dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência (o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu em processos julgados que a pessoa com visão monocular tem direito aos benefícios de cotas que a pessoa com deficiência tem, criando jurisprudência sobre a causa).

[ se procura um entendimento facilitado desses direitos, indico a leitura deste Guia Prático dos Direitos da Pessoa com Deficiência, publicado pela Federação das APAES de MG e acompanhar as publicações mais recentes sobre o assunto no site da então Senadora Mara Gabrilli ]

Quantificação x qualificação da perda visual

A Organização Mundial de Saúde (OMS) já sinalizou a importância de avaliar junto aos parâmetros quantitativos, os aspectos funcionais relacionados à perda visual. Por isso, a CID-11 já terá anexa a escala de avaliação de incapacidade (WHODAS), em consonância com a CIF.

A CIF é a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. 

Ou seja, passa a observar como a pessoa funciona com sua quantidade de visão. Com que independência e autonomia. Afinal, são reconhecidos os impactos cognitivos, motores e psicossociais da criança e do adulto com deficiência visual.

diferença de conceito entre função visual e visão funcional

Avaliação da função visual ou avaliação da visão funcional?

Quer acabar de vez com a confusão de conceitos sobre a avaliação da visão funcional e da função visual? Veja no quadro comparativo a diferença!

Mudanças na classificação de deficiência visual e cegueira na CID-11

Sobretudo, para a CID-11 a principal mudança a partir de 2022 será a classificação da perda visual, que poderá se enquadrar como deficiência visual ou cegueira (cairia o termo baixa visão, por serem muitas vezes subestimadas as necessidades do paciente).
Mas como é um termo já arraigado e “politicamente correto”, acredito que continue sendo usado, assim como visão subnormal . Não seria errado. 

Além disso, passará a ser considerada a acuidade apresentada, não a corrigida. Ou seja, passará a considerar que, na realidade, nem todos têm óculos ou lentes apropriadas para uso no seu dia a dia. Com o mesmo raciocínio, deve-se avaliar as condições funcionais do deficiente visual, de acordo com os recursos a que tem acesso. 

É interessante ainda a inclusão da acuidade visual para perto, caracterizando deficiência visual valor inferior a N6 ou M 0.8, com a correção óptica existente (uso de lentes/óculos).
Outra questão é a extensão do campo visual. Os pacientes com um campo visual inferior a 10° de raio ao redor da fixação central devem ser registrados como ‘inocular’.

Veja como ficará

CID-11 começará a valer em 2022 com alterações na classificação da deficiência visual

Deficiência visual e cegueira monocular

Segundo um relatório da OMS, de 2019, grande parte da literatura publicada não aborda a deficiência visual unilateral, havendo uma concentração de estudos na visão bilateral. Contudo, o documento cita evidências que demonstram o impacto da visão monocular nas funções visuais, além da estereopsia (quando há prejuízo à percepção de profundidade, noção de lateralidade e distâncias).

As pessoas com deficiência visual unilateral são mais propensas a quedas e outros riscos relacionados à segurança, assim como têm dificuldades para e manutenção de vida independente. Ele destaca ainda, como exemplo, que os pacientes submetidos à cirurgia de catarata em ambos os olhos têm um melhor funcionamento visual do que aqueles submetidos a cirurgia em apenas um olho.

Pode-se concluir facilmente que a visão monocular não é tecnicamente equiparada à condição de deficiência visual, entretanto não deveria ser desconsiderada na lei. Especialmente porque há diversas restrições profissionais, há porventura a necessidade de próteses oculares de elevados custos, e a necessidade de reabilitação. 

Vale aqui complementar com a conclusão do parecer de maio/2019 da Sociedade Brasileira de Visão Subnormal, em conjunto com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO): 

“A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, principal referência da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, deve ser aplicada, individualmente, dentro da perspectiva biopsicossocial em instrumentos validados de avaliação para garantia dos direitos legais e da plena participação social da pessoa com deficiência.” 

Certamente é preciso ampliar as análises e discussão sobre as condições da pessoa com visão monocular ou deficiência visual unilateral e suas necessidades específicas.

Cenário da deficiência visual

Considerando que seguimos um padrão de análise biomédico, o CID é uma forma da OMS determinar as terminologias e classificações de doenças, síndromes, desordens, transtornos e condições que impactam na saúde. Claro que é importante catalogar para obter um cenário estatístico da saúde (e isso é complexo demais, não entrarei no mérito da qualidade desses dados). Para saber mais sobre estatísticas e o cenário da deficiência visual no Brasil e no mundo, recomendo a leitura do Relatório da CBO – As Condições de Saúde Ocular no Brasil, 2019.

A lei não se preocupa com a causa e com a visão funcional. Mas você deve se preocupar.

Certo, está entendido que a legislação brasileira segue um parâmetro objetivo para determinar o que é baixa visão ou cegueira: o grau de acuidade visual para longe e a medida do campo visual. Porém, para a OMS (Organização das Nações Unidas), para fins de tratamento e reabilitação é outra história… 

É necessário considerar a causa e como ela afeta fisiologicamente o indivíduo. Assim como para objetivos educacionais observam-se o impacto da doença ou distúrbio na sua vida, buscando caminhos e alternativas para a sua melhor mobilidade, aprendizagem e independência, com acesso à recursos ópticos, não-ópticos e de tecnologia assistiva.
Mais que isso, buscando caminhos para sua reabilitação, seja qual for sua dificuldade. 

Se você observar o novo quadro proposto pela CID-11, perceberá que mesmo uma perda visual leve já é considerada deficiência visual. Porém, essas mudanças não são suficientes.
A saúde vai além da observação do seu quadro clínico, considera também as dificuldades da pessoa, o seu estado de bem-estar completo. Então, pense além da gravidade, dos termos técnicos se é ou não baixa visão, do que diz a Lei… 

Lembre-se que toda alteração no processamento visual gera dificuldades, maiores ou menores, na leitura, na coordenação motora, nos processos atencionais e de memória, nas funções executivas etc. Então, observe a relevância do quadro de acordo com as necessidades próprias do indivíduo.

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